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quarta-feira, 22 de julho de 2015

Meu Assaré amado!

Meu Assaré amado! 




“Gravador, o que gravas aqui nesse ambiente
Tu gravas a minha voz, o meu verso e o meu repente
Mas tu não gravas a dor que o meu peito sente.
Tu gravas em tua fita com a maior perfeição
O timbre de minha voz e minha fraca expressão
Mas não gravas a dor grave gravada em meu coração
Tu és feliz e ai, de mim o que será!
Bem pode ser desgravado o que em tua fita está
Mas a dor do meu coração jamais se desgravará.”


 Lá a brisa é fresca, constante. “Teus vento assopra manero durante os teus mêis de estio.” Lá apresentamos na praça principal, na frente da Igreja Matriz ao lado do Memorial do Patativa do Assaré. Lá tudo respira o poeta. As placas indicando os nomes das ruas tem sempre um verso seu e também o desenho do seu rosto, sempre de óculos e chapéu. Lá a rodoviária recebe seu nome, a praça, a escola.  Lá durante a montagem, uma revoada de pássaros fez balé nas nossas cabeças. Muitas. Muito canto em cada canto das árvores.


Lá estavam tantos! Praça repleta de outros de nós.As crianças, os filhos do poeta, netos, sobrinhas e dentre eles Seu Geraldo Alencar. Este é também poeta e improvisador. 

Quando Seu Geraldo era menino (no tamanho, pois ainda continua sendo um menino brincalhão) mostrava seus poemas para seu tio, Patativa. Diz que uma vez foi assim: - Soube que você tá escrevendo poema.
-Sim, respondeu Geraldo.
- E tem algum bom? Tem algum que preste?

Patativa era danado! E mais tarde quando leu seu poema “Pergunta  de Morador” ficou pensativo. Leu e depois de um tempo achegou-se a Seu Geraldo: - Você me permitiria fazer uma resposta praquele verso seu? E dali saiu o poema “Resposta de Patrão” e também uma amizade que durou toda a vida. Uma amizade fraternal mas sobretudo poética. Os dois costumavam se encontrar para brincar de mote, pra brincar de glosa.



Partilhamos dessas lembranças com Seu Geraldo em sua casa ali pertinho da praça principal, em Assaré. Partilhamos com nossas máquinas fotográficas, filmadoras, perguntas, desejos, alegrias, olhares e aquele tom um pouco acima do natural, aquele de quem vê quem se admira na frente. Estávamos ali como na cena da peça, naquela em que abordamos Patativa, dizendo que viemos de São Paulo e que queremos montar uma peça sobre a sua vida e sua obra. Éramos nós ali, nesse lugar do que vem de fora. Pronto. Foi o início de uma longa e boa conversa entre nós. Mais uma das muitas boas conversas. Não fomos invasivos de forma alguma mas quando se tem câmera nas mãos o conflito está posto entre a naturalidade e a forma. Mas diante da feitura de um documentário, os registros são necessários e então o impasse aparece. Que tipo de pergunta temos que fazer? Devemos conduzir o contato e as   considerações para manter um roteiro? E que bom, que os meninos na ação concreta "camerística",  Alécio, Vina e Flavio têm cabeça daquelas de jardim, que ora outra brotam sementes levadas pelos pássaros e ora ou outra também aquelas regadas no cuidado diário. Esse  barco de câmeras que estão manejando  está  proporcionando para o nosso documentário momentos, encontros e significados lindos. Pensamos e falamos e pensamos e pensamos sobre deixar o espaço vazio, talvez o maior deles para que o inesperado venha à tona. Para que nos silêncios brotem o que precisa ser dito e gravado naquele momento eterno. Mesmo que esse “não grave a dor que meu peito sente”. Se de um lado, por mais carinhosos e abertos que sejamos, nos sentimos por vezes “o de fora” por outro lado, as pessoas que registramos podem parecer “os que querem falar.” E talvez esteja tudo bem mesmo esse questionamento porque o desejo é legítimo de ambos os lados, assim como os propósitos com tudo isso. O tempo curto não nos permite o convício que gostaríamos. Mas diante da realidade na qual vivemos é esse espaço que temos e é com ele que temos que lidar. É ele que nos é dado. Assim foi com o tempo curto que tivemos para concluir o cd e o livro. Se tivéssemos “feito a conta do tempo” não teríamos feito nem um nem outro. Mas topamos a aventura porque sabíamos que o momento ideal não existe. 
E nesse tipo de viagem vamos nos questionando. E vamos também reafirmando algo em nós que vai além dos nomes. Acho que porque vamos pisando nessas terras poéticas e porque vamos encontrando pessoas e porque vamos nos perdendo da segurança prevista, daquela segurança umbilical que por vezes nos enlaça. Havia uma placa lá na Beatos, no Crato, que dizia algo como “o lugar é onde escolhemos estar. É afetivo e tem história e construção diária.” Não era bem isso não o que estava escrito mas foi o que me ficou. Conversávamos esses dias, Fabiana e eu sobre isso. Lugar é onde pisamos.

Quase ingênuo, quase romântico, quase assim...



Estar em Assaré é como ir morar direto na pausa que tem dentro da gente. Naquele pequeno vão em que ecoam asas.
Naquele lugar onde moram crianças-poetas adormecidas, cochilando com o mormaço da tarde quente. É como querer andar e andar tanto até virar vento.


Obrigada, meu Assaré amado.



As fotos são de Flavio Barollo.


                                                               
Na frente da casa de Seu Geraldo de Alencar.

   Texto Karen Menatti.

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