Caminhando sobre nossos mortos – Canudos.
Acho que é aqui o céu-mãe. É aqui o céu que gera os
outros céus que correm pelo Brasil. Fiotes de céu. E talvez o céu primeiro
seja na Amazônia e talvez no Serrado e talvez e talvez... Mas hoje o céu-mãe é
aqui.
Canudos.
Seco. E verde. É a caatinga com seu cheiro de lavanda
sertaneja e de marimbondos que arrodeiam as nossas cabeças. Pedra e céu. Muito
céu. Todo riscado estava hoje. Feito quando molhamos a mão na tinta e
arrastamos os dedos pela tela. Fizeram isso com nuvem aqui hoje. E é silêncio.
Aqui é grande também o silêncio. Às vezes vem um balido
de longe. Na verdade alguns. São cabritos correndo atrás da mãe. Ou uma ave
gritando coisas que eu não entendo. O ronco do motor do nosso ônibus. Mas só um pouco, depois finda.
Mas sobretudo silêncio.
Entre montanhas.
Picos altos para observação dos que vem de longe com
intenções diversas. E era e é longe. Assim feito o Sítio Caldeirão da Santa
Cruz do Deserto. E assim feito o Caldeirão não tem como não imaginar o que era
esse lugar nos idos de mil oitocentos e noventa e poucos.
Em 5 de outubro de
1897 o massacre. Terra encharcada do sangue daqueles que eram contra o
coronelismo vigente e que sofriam com a fome. Daqueles que optaram em não pagar
impostos para os latifundiários. Daqueles que optaram em dividir entre si o que geravam.Negociavam o excedente com cidades próximas. Foram atacados quatro vezes, sendo essa última
uma intervenção federal, com mais de 10 mil militares. Morreram muitos do povoado de Canudos. Incluindo crianças. Incluindo idosos.
E é silêncio.
E caminhando pelas estradas de terra poeirenta, caminhei
sobre os nossos mortos. Talvez sempre caminhemos. Sempre andemos com os pés nas cabeças de quem por aqui já andou. As árvores e seus galhos
tortos, ora rasteiras ora não. Tem-se a impressão que a qualquer momento uma
dessas figuras vai tomar vida. Passado a espreita. Almas de galhadas secas esperando prosa.
Esperando ouvido amigo.
Riacho do Motta. Alto da favela. Vale da Morte. Tem
também a cruz lá no alto. E cascalho e madeira no chão duro e mandacaru
fulorado. Muitos. E facheiros com fruta. Diz que o doce é bom. É caminhada num
horizonte que não tem fim. Nunca tem.
Ave Maria.
Cantada por nós. Poema de Patativa jorrando de Dinho. Lá
embaixo um ponto alto da Canudos submersa acena pra quem passa. As casas estão
lá embaixo brincando de peixe.
Respeito meu pelos que lutaram. Respeito nosso.Respeito meu pelos que lutam.Respeito nosso.
“ Sempre digo , julgo e penso
Que o beato Zé Lourenço
Foi um líder brasileiro
Que fez os mesmos estudos
Do grande herói de Canudos,
Nosso Antônio Conselheiro.
Tiveram o mesmo sonho
De um horizonte risonho
Dentro da mesma intenção,
Criando um sistema novo
Pra defender o povo
Da maldita escravidão.
E boa assistência dava
A todos os operários,
Com a sua boa gente
Lutava pacificamente
Contra os latifundiários.
Naquele tempo passado
Canudos foi derrotado
Sem dó nem compaixão,
Com a mesma atrocidade
E maior facilidade
Destruíram o Caldeirão.
Por ordem dos militares
Avião cruzou os ares
Com raiva, ódio e com guerra,
Na grande carnificina
Contra a justiça divina
O sangue molhou a terra.
Porém, por vários caminhos,
Pisando sobre os espinhos,
Com um sacrifício imenso,
Seguindo o mesmo roteiro
Sempre haverá Conselheiro
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