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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Agora sim, o texto!

Casa cheia de gente de circo que chegara a cidade a tarde para ficar uma semana e conquistar uma população que há muita tempo não via o ar da graça desse tipo. Primeiramente eu sai com os palhaços do circo pela as ruas anunciando a boa nova, afim de conseguir um convite, já que a disputa era acirrada. Duas vagas gratuitas para a noite da estréia. Palhaço: Hoje tem espetáculo? Nós crianças: Tem se senhor... Palhaço: Ás sete e meia da noite? Nós crianças: Tem se senhor...Olêlê, Olalá... Vou comer maracujá... era mais ou menos assim, Gritei, gritei até perder as forças da garganta. Chegava a hora do palhaço anunciar quem havia ganho, eu não fiz feio, mas desconfiava de alguma coisa, quando veio a surpresa, vaga para entrada, zero, perdi, fiquei em terceiro lugar, atrás de dois piralhos que eram o próprio poder agudo, as gralhas perdiam feio pra eles. Dei de ombros nem te ligo, mas com uma dor profunda em meu coração, perderia a estréia e o pior não teria dinheiro para entrar em toda temporada.
Agora a esperança se voltava para minha casa, porque sabia que os donos do circo iria pedir luz e água, já que minha casa era a mais próxima do circo e a melhor em condições de passar esse tipo de serviço.Mas ao mesmo tempo refletia no caminho, que esperança teria de conseguir ingressos, tinha 20 irmãos, eu era o décimo oitavo na escala familiar, antes de mim, teria os mais velhos que por sua vez, pela a hierarquia estaria na minha dianteira no mínimo umas 10 entradas, ou seja, pelos os meus cálculos levaria uns 10 anos para entrar num circo. Mas como dizem que a esperança é a última que morre e que o destino nos prega surpresas, fiquei atento a essas forças do mistério. Também pensava por ser o filho que mais gostava de ler, cantar, inventar coisas, teria um mínimo de chance apesar da hierarquia. Dito e feito, chego em casa desconsolado e de mãos vazias, vejo os donos do circo conversando com os meus pais, entrei muito devagar para não atrapalhar a conversa e abrir os sentidos:

Dono do Circo: Seu João, o circo é pequeno e hoje nós só podemos dar duas vagas e nos outros dias uma só, já que nós vamos pagar o consumo de água e luz. Meu pai tentava negociar dizendo que era pouco e que tinha muitos filhos, mas o dono do circo não falava,
mas os olhos diziam: E eu com isso, quem mandou fazer muitos filhos, não são meus, nunca participei dessa história. Mas por fim meu pai entendeu que não havia possibilidade de avançar na negociação e logo concordou, então ordenou que fizesse a instalação elétrica. Quanto a água que era um líquido raro e sonoro no sertão, papai ordenou que tirasse só uma vez por dia de um tanque que tínhamos em casa de reserva.
No dia da estréia. Claro que foram meus pais, e nós os filhos sem dinheiro, ficamos lambendo o beiço e fomos para próximo da entrada, esperançosos que viesse um filho de Deus e amigo pagar a nossa entrada, claro que não aconteceu, mas como o circo era rodeado de arames farpados e com brechas e espaços entre um arame e outro, daria para tentar uma entrada nada convencional, com uma pitada de perigo, porque apesar desse espaçamento entre um arame e outro, existia vários guardas de plantão, andando de um lado para outro, exatamente com a função de não deixar ninguém entrar a não ser os pagantes.
Eu nem pensei neles, o desejo era maior que a noção de perigo e logo naquele dia, na data de estréia estaria nada mais, nada menos, um cantor radialista que eu era fã, nem pensei e fui logo tentando passar para o outro lado, quando cheguei nesse lado, quem me esperava era uma mão bem grande, certeira para me mandar para o outro lado, o lado dos pobres. Mas não esmureci, tentei outra vez e outra vez veio a mão, desta vez sem delicadeza, mão de raiva, por ter muito trabalho. Voltei à estaca zero, respirei fundo, sai do lugar que já era manjado e fui a outro lugar, respirei fundo novamente e mergulhei no vão entre os farpados. Para minha surpresa a mão que pegava do outro lado, era a mão grossa e gorda do cantor radialista que tanto admirava e se estava nessa situação de desespero e vergonha era principalmente por causa dele. Essa mão não teve dúvida, me pegou pela a gola da camisa e com ares de déspota, mandou-me mergulhar de volta, eu ali sem entender tamanha maldade, o castelo ruindo, tentando argumentar que estaria lá porque gostava muito dele, e ele,nem te ligo, apertou mais a gola e fez uma pressão no meu corpo, me arremessando para o outro lado, de forma tão brutal, que a camisa que estava sobre o corpo, a própria que tinha deixado para usá-la exatamente no dia mais bonito da minha vida, que seria aquele dia, essa camisa virou trapos rasgados sem possibilidade de concerto. Chorei duas vezes: uma por não entrar e outra pela a camisa, e
percebia que meus olhos, coitados, menos de dois minutos, se tornaria numa nuvem pesada pra ser furada na barriga pelos os raios do céu, para se tornar no maior temporal. Tudo isso pra dizer que já estava se armando outro choro, um terceiro, por saber que quando chegasse em casa, levaria uma grande surra sobre os arranhões de arame farpado. Surra por ter estragado a camisa que minha mãe tinha feito boas economias para comprar. Sai dali fui pra um lugar que ninguém me vira e sozinho tentei pensar numa estratégia para entrar em casa sem minha mãe perceber a camisa e os arranhões, demorei exatamente uma hora para me recompor e voltar para casa, não teve outro jeito, a galinha conhece sua ninhada, foi o que aconteceu, minha mãe percebeu tudo. Levei a surra que imaginara e outras humilhações de irmãos e amigos.
Depois que o circo passou, inventei pra mim aquela conversa que os velhos sempre dizem que é da bíblia, e só mudei as palavras: "Jà que eu não vou até o circo, que o circo venha até a mim," e resolvi inventar o meu circo no quintal de casa, com anuência de minha mãe e com apoio dos meus amigos que tinha achado a idéia muito interessante.
Peguei alguns lenções de minha mãe e outros das mães de alguns amigos, fomos até a mata, cortamos uma madeira alta e forte e cravamos bem no centro do quintal. Passo dois, seria encontrar as meninas para fazer as rumbeiras e passo três seria o texto com as brincadeiras; claro que tudo nasceria de minha cabeça, mas não poderia esquecer que os outros eram importantes. Fizemos tudo isso, arrumamos as meninas da escola da minha rua que estudavam na minha sala de aula e fomos ao planejamento. Tudo planejado já com o dia da estréia: O Tita era o engulidor de fogo, o Acelino era o trapezista, o Tonho era o leão por ser o mais forte de nós, e o Burrego era o macaco por ser ágil, meu papel era ser dono do circo, apresentador e palhaço, ou seja o dono da bola. No dia da estréia demos o último toque de perfeição na arena do quintal e fomos pra rua chamar o público com o clichê dos palhaços: Hoje tem espetáculo? Tem se senhor!!! `Às sete horas da noite? Tem se senhor!!! Ah! esqueci de dizer que o figurino eram trapos e cordas, porque na verdade só tínhamos isso para nos oferecer, a maquiagem era o carvão, fácil de achar por meu pai ser carvoeiro, a música era um monte de latas que pegávamos no lixo e fazíamos um tratamento digno de banda,
Na noite da estréia cantei músicas de outros cantores, agora daquele cantor que amava e copiava, que me expulsou com suas mãos de raiva e desdém; aquele estava morto e enterrado em minha memória musical. Foi um sucesso o circo, mas só conseguimos fazer umas seis vezes, dava muito trabalho para as nossas mães e principalmente para a minha, por ceder seu espaço de roupas e varais.
Todo ano a gente voltava com circo, mas só uma vez por ano, porque às mães da gente não deixavam, diziam que tínhamos que trabalhar, porque circo só criava outro planeta na cabeça.
Se dependesse da gente, era circo o ano inteiro.

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