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domingo, 14 de março de 2010

Patativa e Lorca: uma abordagem possível

por Rodrigo Mercadante
Estou lendo a biografia de Federico Garcia Lorca a quem chamam frequentemente de "poeta da terra Andaluza". Aliás, ele mesmo se auto denominava assim. Há uma passagem linda em sua biografia em que ele narra sua primeira experiência estética. Diz o poeta Andaluz que, quando era criança em Fuente Vaqueros, sua cidade natal, gostava muito de assitir ao trabalho do arado de ferro que perfurava a terra e que se admirava que dela não brotasse o sangue. Já sabia ele que a terra e o corpo humano se ligam indissossiavelmente nas construções mitológicas e poéticas. Um dia, o arado insensível se deteve, encontrou sob a terra algo forte o suficiente para barrar sua passagem: era um antigo mosaico romano. Aquela obra de arte antiquíssima brotava da terra, revelando séculos de civilização sob seus pés.
Lorca narra essa passagem como sendo sua primeira experiência poética. Acredito eu que essa narrativa de um fato ocorrido na infância do poeta é uma síntese de todo o seu ciclo de poemas e tragédias da Andaluzia: poema do Cante Jondo, Romanceiro Gitano, Bodas de Sangue, Yerma e Bernarda Alba.
Aproximar Lorca e Patativa pode parecer um pouco arbitrário ou até mesmo irresponsável e leviano devido às muitas diferenças estéticas, biográficas, geográficas que os colocam aparentemente em espaços estéticos muito diferentes.
Lorca era filho de um rico fazendeiro e foi educado em instituições conceituadas enquanto Patativa era um matuto pobre e semianalfabeto. Lorca estava ligado às vanguardas europeias do início do século, é considerado por muitos um surrealista, (classificação da qual discordo totalmente), e se ligava aos ultraístas, modernistas espanhóis. Já Patativa era um poeta " anacrônico" se inserido dentro da história da poesia brasileira. Seu primeiro livro, editado em 1956 segue as premissas da poesia com metro e rima. Patativa ama o jeito clássico de fazer poesia. Foi um parnasiano matuto que inseriu sua poderosíssima poesia rimada na história da poesia brasileira num tempo em que já existiam Drummond, Mário, Oswald etc...
Mas, mesmo conhecendo a distância entre eles, aproxima-los me é irresistível! Os dois foram poetas da terra e principalmente de sua terra. Patativa cantou Assaré e Serra de Santana e Lorca foi o grande cantor da Andaluzia e principalmente de Granada. Ambos se alimentavam conscientemente da fala de sua região, da poética brotada da fala cotidiana de seu povo. Lorca falava que suas metáforas já estavam prontas na tradição andaluza, nas cantigas de ninar, nas histórias de assombração contadas pelas criadas e Patativa diz :
"toda vez que olho para cima/
vejo um dilúvio de rima/
caindo em riba da terra"
Para ele também a poesia já está alí pronta e cabe a ele revela- lá. Lorca utiliza a herança dos romances e jograis populares, poemas repetidos de boca em boca pelo povo, que contam histórias e fatos pitorescos de um povo ou de uma pessoa em particular. Patativa utiliza o cordel e aprende a amar as palavas ouvindo os cordéis. Utiliza- os e os ultrapassa. Tanto os cordéis como os romances são rimados e são feitos para serem memorizados e repetidos. Muitos viram obras de domínio público. Os poemas do Romancero Gitano são ditos de cor por muitos espanhóis assim como os poemas de Patativa aqui em Assaré.

Lorca canta a opressão dos ciganos andaluzes, sua cultura e a perseguição secular que assola aquele povo. O Romance da Guarda Civil Espanhola é um poema que se transformou em símbolo de resistência durante a Guerra Civil de 36. Patativa, canta os migrantes miseráveis, ciganos por necessidade, suas agruras, seu sofrimento no sertão e na cidade grande. A triste Partida é o hino dos migrantes Nordestinos:

" Setembro passou, Outubro e Novembro
tamo em Dezembro
Meu Deus que há de nós!

Ambos eram poetas engajados sem nunca terem se filiado a nenhum partido político. Ambos perceberam a miséria em seu aspecto mais absurdo e a denunciaram. Carregavam em si o germe do inconformismo diante da opressão, mas era um inconformismo poético! Creio que a frase de Paulo Freire " Sou tão comunista quanto Cristo o foi" caberia muito bem na boca de qualquer um dos dois, pois ambos eram extremamente religiosos.
Patativa falou dos Nordestinos em São Paulo e no Rio. Lorca foi um olho Andaluz denunciando as moedas devorando auroras e recemnascidos na cidade de Nova York.
Essa é sem dúvida uma aproximação afetiva e, para ser analisada a fundo, precisaria de um olhar mais especializado que o meu. Patativa viveu muito e é um patrimônio Brasileiro, Lorca teve menos sorte...

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